Desde tempos imemoriais
Abordar o tema da tradição das vindimas é recuar a tempos imemoriais onde as recordações se perdem por de tão longe serem originárias, na verdade esta tradição remonta à plantação da vinha. E quem sabe , ao certo quando isso foi , desde os tempos romanos, fenícios ? Sim, quem sabe ?
A tradição
Só quem nunca participou numa vindima é que não se apercebe da profundidade do seu significado para a união da família , dos amigos, das gentes, para recolher o que a Mãe natureza oferece.
Será este , porventura, o primeiro significado da vindima a recolha , a fartura, o inicio da produção do nosso vinho – de todos o melhor – e, naturalmente, a união de todos em torno do objectivo comum da recolha que , noutros tempos, assegurava a sobrevivência.
Este ambiente de festa e fartura é especialmente propicio para as mais velhos chamarem a si os mais jovens e lhes passarem os ensinamentos inerentes ao saber de experiência feito, e os moldarem a estas actividades recordando eles também os doces tempos da sua juventude quando os seus pais e avós, com eles fizeram igual.
Assim se cultivam os gostos dos mais novos, se moldam os seus feitios, aprendem a trabalhar, valorizam a equipa, o convívio, a família e ganham o gosto pela terra que os ampara e sustenta no mais lidimo respeito pelas tradições de antanho, neste caso transmitidas pelos familiares .
A azáfama
Vindimar é festejar a vida e começa muito antes do acto de colher as uvas, sim há que limpar as adegas, rever maquinaria, desinfectar as cubas, assegurar gente convocando os habituais e tentando suprir alguma falha deste ou daquele elemento que este ano por algum motivo não pode vir.
Cuida-se igualmente da maquinaria que não pode nem deve falhar, das caixas de plástico para transportar as uvas, das cestas que distribuídas a cada vindimador para que as encha, as tesouras, Cuida-se igualmente do rancho com que se matará a fome a cada um dos , este ano, vierem para a vindima.
Na vinha o dono, o feitor o adegueiro vão controlando a maturação das uvas deitando-se a adivinhar quais as que primeiro devem ser colhidas e mais ou menos qual a quantidade que darão para na adega tudo bater certinho.
Acordam a olhar para o céu não vá o tempo pregar partidas chuva ou demasiado calor são inimigos, ladrões, que entram pela porta das traseiras para roubar o que a Mãe natureza criou. Cuidam da vinha como se de um exército se tratasse passando amiúde revista às suas tropas.
Vindima-se
Começa-se hoje , é tudo o que as pessoas querem ouvir. Estão desejosos que chegue o dia, falam disso nos cafés, aos telemóveis, à mesa . É hoje ? É amanhã ? Estão nervosos já tiraram férias no trabalho , tem que dar certo.
Chegou o dia, à hora combinada lá estão todos ainda ensonados mas desejosos por ir para as vinhas colher os seus dourados cachos. Distribuem-se as tesouras, as pessoas pelos transportes e , qual armada, partem às ordens do capataz. Chalaceiam uns com os outros, lembram esta ou aquela história divertida do ano passado ou do anterior, têm boa memória gostam de recordar com todos os pormenores.
Aí estão eles a vindimar à compita uns com os outros , homens , mulheres, miúdos , tesoura nas mãos aí vão eles em busca dos cachos que roubando às videiras farão seus. E este ano tem de correr melhor do que ano passado, tem que ficar na história dos amigos, da propriedade, da Região.
A hora da refeição chega e sentados comem o almoço sem tirar os olhos da vinha discutindo sobre o estado das uvas , melhores piores do que no ano passado, e bebendo um vinho tinto da região.
Jogam-se de novo ao trabalho até sol posto se for preciso enquanto da adega chegam os ecos da laboração, pergunta-se qual o grau das uvas para ver quem deu o melhor palpite, avós, netos , filhos, famílias, ali se juntam para colher o sustento para o inverno seguindo na vida as pisadas dos que, antes deles, o mesmo fizeram, hoje a eles calha o trabalho na esperança que os mais novos , amanhã, os substituam dando continuação ao que a tradição manda e espera.
A adiafa
Terminada a vindima, mãos e corpos doridos , cansados , mas espíritos bem dispostos antecipam as jornas e o que com elas farão, enquanto ansiosamente aguardam a adiafa, aquela refeição em que todos se juntam para comemorar o fim da vindima por aquelas paragens.
As histórias já muito repetidas voltam a circular entre todos despertando as mesmas gargalhadas, enquanto se ultimam os pormenores e chama para a mesa.
O vinho tinto, do bom, já corre pelas gargantas secas , já se come pão com aquele chouriço de todos os anos, com os torresmos, as azeitonas, os queijinhos. À mesa ao mesmo tempo que se partilha a refeição com as mulheres a trazerem travessas e travessas para que não falte a comida a ninguém. O vinho continua a jorrar tal como as histórias entre todos, às que se somam esta ou aquela que se ouviu no café, na mercearia , na bomba de gasolina.
No fim fuma-se uma cigarrada com o café, e aquela aguardente caseira que todos adoram e que lhes queima as entranhas, mas são homens e os homens aguentam, gostam, pois são fortes.
Uns mais entornados do que outros despedem-se no fim ,mas todos sem falta marcam presença para o ano que vem ,pois pode mudar muita coisa nas suas vidas mas nenhuma, mas nenhuma, os fará romper com a tradição.