É uma responsabilidade falar sobre os vinhos do porto tintos, pois sempre que neles penso sinto o peso da história e, com ela, da tradição sob os meus ombros, e o seu olhar atento não vá dizer algo que não seja do seu agrado. Tremo, hesito, respiro fundo, mas, lamento não desisto, pois sempre preferi falar sobre os assuntos, desde que minimamente informado, correndo o risco de cometer alguma imprecisão – peço desde já que me perdoe – do que pura e simplesmente ficar silencioso.
Sempre gostei de consumir vinhos do porto em todas as suas categorias, embora hoje recorde aqui a fase em mais me deliciei a apreciar vinhos do porto tintos. Lembro que nesta categoria de Vinhos do Porto encontramos os Ruby, os Late Bottled Vintage e os todo-poderosos Vintage. Podem ainda encontrar – se outras categorias como o Fine Ruby, ou Ruby reserva que mais não são do que variações mais ou menos idosas da sua categoria original, os Ruby.
Abordar os vinhos do porto tintos é recordar toda uma história repleta de língua inglesa, pois foram, e são, os ingleses que “ab initio” lá estavam e muitas, mas mesmo muitas, linhas escreveram na sua longa história. Recordemos que Inglaterra possui com Portugal o mais antigo tratado do mundo ainda em vigor, o Tratado de Windsor, tendo este resultado duma longa tradição de trocas comerciais entre ambos os países.
Inglaterra necessitava de vinhos, azeite e fruta que comprava a Portugal que por sua vez lhe adquiria bacalhau pescado nas suas costas, e mais tarde, entraram os lanifícios na equação, numa normal evolução de relações comerciais entre países. Os primeiros vinhos que os ingleses adquiriram a Portugal eram tintos da região mais a norte de Portugal, e dos quais sem apreciarem, – eram acídulos e com fraco teor de álcool o que os tornava instáveis, de curta duração – necessitavam. À medida que os ingleses desciam na geografia portuguesa encontravam novos vinhos, brancos nomeadamente, que melhor ou pior lá iam comprando, sempre na esperança de encontrar um melhor, o que acabou por acontecer quando provaram – beberam – os vinhos tintos do douro, que não sendo perfeitos melhoravam o panorama.
Apesar de tudo não eram ainda vinhos perfeitos pois de teores alcoólicos variáveis e, porque não dizê-lo, na época facilmente adulterados realidades com que foram convivendo até que após aturada busca e incursões ao douro sua região de produção, encontram finalmente o vinho do porto que além de ser um vinho estável tem outra característica que de imediato apaixona os ingleses: era doce.
Nessa altura, o Porto contava já com uma assinalável e influente colónia inglesa tendo nesta cidade a sua feitoria, local onde os comerciantes de nacionalidade inglesa se reuniam para discutir os seus interesses, e apreciar os seus vinhos do porto.
Não custa acreditar que no início a maioria dos vinhos do porto seriam tintos, e que estes seriam consumidos não só no porto como prodigamente o seriam nas tabernas inglesas servido em canecas e conhecido como o “red strap”, na altura um vinho austero, de cor carregada e seco. Para garantir que estes vinhos chegavam ao destino em condições era frequente os comerciantes juntarem-lhes uma dose adicional de aguardente.
Com o passar do tempo e a regulamentação da produção e comércio dos vinhos do porto estabiliza não só o mercado como os vinhos do porto em si, agora classificados com categorias bem identificadas, sendo nesta altura que aparecem designações como tawnys, vintages etc.
Os vintages são vinhos do porto tintos têm a eles associada uma tradição na altura de serem servidos a qual não custa crer tenha surgido a mesas inglesas talvez mesmo na sua feitoria. Como certamente sabe a categoria de vinhos de porto vintage é a mais elevada, pois estes apenas podem ser criados a partir de uvas duma mesma vindima, as de melhor qualidade preferencialmente oriundas duma só propriedade ou, por vezes, até de uma ou outra parcela.
Confirmado o seu valor e nobreza convinha assinalá-la com um sinal distintivo facilmente reconhecido e repetido. Como sabe à mesa o convidado de maior cerimónia senta-se sempre à direita do anfitrião, no entanto se se tratar dum casal o marido sentar-se-á à direita da mulher do anfitrião, e a sua mulher à direita do anfitrião.
No primeiro caso seria normal que numa mesa de senhores o anfitrião abrisse a sua garrafa de vinho do porto vintage e a servisse em primeiro lugar ao seu convidado de maior cerimónia, ou seja o sentado à sua direita, ora é exactamente aqui que os ingleses baralham o jogo e uma vez aberta a garrafa de vinho do porto vintage manda a tradição que o anfitrião se sirva do seu vinho do porto vintage, rolhe novamente a garrafa do vinho do porto vintage e a passe ao conviva sentado à sua esquerda, que repetirá a operação, imitando o procedimento à volta da mesa até a garrafa de vinho do porto vintage chegar de novo às mãos do anfitrião, sendo a pessoa de maior cerimónia o último a servir-se.
A que se deve esta tradição, ninguém sabe e as explicações são as mais diversas, e vão desde o invocar antigos costumes- tão antigos que ninguém deles se lembra – e situações mais prosaicas como garantir que todos, por cerimónia, se servem de vinho do porto vintage com comedimento por forma a garantir que a preciosa garrafa de vinho do porto vintage chega ainda com vinho suficiente às mão do convidado de maior cerimónia, certamente por todos respeitado, senão temido.
A verdade onde está? Ninguém com segurança saberá mas em minha opinião resido no simples facto de que deve sempre que possível consumir vinhos do porto, nomeadamente tintos, sempre que possível, e o mais cedo possível, uma vez ser uma pena descobrir os prazeres que vida que realmente valem a pena demasiado tarde…